O nascimento
de Miguel e Sofia
A história do nascimento dos meus gêmeos começa em 1997 quando engravidei, aos 15 anos, do meu primeiro filho Gabriel. Apesar de uma gravidez tranquila e saudável (com alguns episódios de crise de asma que já me acompanhavam por toda vida) e o meu desejo intuitivo de ter um parto normal, um belo dia a obstetra disse na consulta de pré-natal : “ o bebê já está de bom tamanho, vamos agendar a cesárea”. Eu, que pouco entendia o que estava acontecendo com o meu corpo, não questionei. Cesárea agendada com 38 semanas para a segunda feira seguinte. (Minha mãe teve três partos ”normais”: aquele pacote parto-normal-show-de-horrores infelizmente tão comum no Brasil , sendo o último pélvico e, claro, não desejava que eu passasse pelo tipo parto que ela experimentou, então a família estava muito segura com a escolha da cesárea.)
No sábado anterior ao dia
agendado eu senti a barriga ficar dura sem dor nenhuma. Barriga dura pela
primeira vez nesta gestação. Corremos para o hospital e ligamos para a obstetra
que diz que vai nascer naquele dia mesmo. Eu sem sentir dor nenhuma, apenas
fome e medo, vou sozinha pro CO. Lá me
anestesiam, me amarram os braços, colocam um pano verde. Ninguém se dirige a
mim. Escuto a equipe conversar sobre a novela e tudo acontece muito rápido:
Empurram minha barriga com força, nasce o bebê, eu vejo um médico passar com
ele para o outro lado da sala e depois ele se vai. Ninguém se dirige a mim.
O resto da cirurgia demorou o que
me pareceram horas! Quando finalmente termina, sou levada para um corredor e lá
me deixam, sem explicações. Eu sentia muita sede. Vou pro quarto muito tempo
depois, as visitas veem meu filho no berçário e me contam como ele é. Depois de algo em torno de 8 horas, o bebê é
trazido para conhecer sua mãe (nasceu com 2,960 Kg e 49cm). O que aconteceu com
meu filho nesse período, eu nunca soube. Passado o nascimento eu dizia para
todo mundo que “foi ótimo, não senti nada”. Realmente não senti nada: nem dor,
nem calor, nem vontade de chorar e nem de rir.
Passada essa experiência eu não
tinha desejo de ter mais filhos. E assim se passaram muitos anos. Eu cresci,
estudei, me formei, viajei, dancei, trabalhei, conheci outras pessoas, conheci
o meu amor e companheiro e me casei. A
vontade de engravidar novamente nasce no meu coração quase que simultaneamente
à minha descoberta do movimento pela humanização do parto. Eu acompanhava o blog
da Lola* quando ela postou um texto das organizadoras da Marcha Pela
Humanização do Parto na época em que o CREMERJ lançou resoluções afirmando que
parto era evento exclusivamente hospitalar.
Não, pera! Tem parto em casa?
Como é isso? Que luta é essa dessas mulheres? Opa! Quer dizer que existem
outras formas de nascer? What? Doulas!!! Oi? Não era nada daquilo....Ahhh a
saída da matrix! Uma vez fora, você não volta mais. Em pouco tempo eu já tinha
lido tudo sobre o assunto na internet, isso era meados de 2012. Na mesma época
a minha grande amiga Fernanda, que é médica de família, também se envolve no
assunto e passamos a discutí-lo sempre nos bares da vida. Mais uns textos, mais
uns relatos, mais uns vídeos, muita informação e pronto! Nasce uma ativista! Pronta
pra ser protagonista da sua história e não aceitar este sistema cruel e
violento.
Quando a Fer engravida, decide
por um parto domiciliar e me convida para fotografá-lo, eu tenho a imensa “alegria-prazer-sorte”
de participar de um parto real (nunca conseguirei agradecer o suficiente aos
meus amigos por me proporcionarem tamanha experiência!). No nascimento do
Bernardo, eu sai do mundo dos partos do YouTube, para o intenso mundo do parto
real. E o real é muito! É demais! Dá medo e dá vontade de viver, ao mesmo
tempo.
Depois de tanto anos tomando
anticoncepcional, eu não sabia mais lidar com a minha natureza e quando
resolvemos começar a tentar eu descobri que tinha Síndrome do Ovário
Policístico. Passei meses sem menstruar e era uma verdadeira tortura porque eu
nunca sabia se estava grávida, ou passava por ausência de ovulação causada pela
SOP. Começo a fazer um tratamento e depois de um ano tentando, eu desisto de
controlar: paro de contar período fértil, temperatura e toda aquela chatice de
tentar engravidar e acabo me envolvendo em outros projetos.
Meus ciclos se regularizam e eu
passo a menstruar todo mês. (Aqui cabe
dizer que depois disso eu passei a adorar ficar menstruada e a agradecer quando
ela vem me informando que tudo está funcionando.) Até que, um dia, a
menstruação não vem. Nem no outro e no outro. Eu espero. Deve ser a SOP
desregulando o ciclo de novo, já passei por isto muitas vezes. Não me lembro
com quantos dias de atraso eu chego na farmácia pra trabalhar (sou
farmacêutica), pego um teste e vou pro banheiro. Duas tiras. De repente eu, que
explico diariamente como fazer o teste no meu trabalho, não sei o que aquilo
significa. Meu cérebro dá pane! Eu tremo. E começo a rir sozinha no banheiro.
Que sensação inexplicável de felicidade! Ligo pro Ricardo e ficamos rindo no
telefone. Descubro minha gravidez dia 28/04/14, um ano e 7 meses depois de
parar de tomar anticoncepcional, aos 31 anos, 16 anos depois da primeira
gravidez e exatamente um ano depois que a Fer descobriu a gravidez dela (Sintonia?
Vem mais por ai!).
Sabendo da situação dos
nascimentos hospitalares no Brasil, eu desejava um parto domiciliar, e resolvo
fazer o pré-natal com a Fer no Arte de Nascer. A primeira consulta foi na casa
dela que ainda estava de licença maternidade. Que privilégio conversar sobre a
gravidez com uma amiga tão querida! Que atendeu o Ricardo também pediu exames
para nós dois, deu muitas orientações além de já nos emprestar o seu exemplar
do livro “Parto com Amor”.
Dia 14/05/2014 fomos fazer o primeiro
US. Mega ansiedade, corações acelerados e lá vamos nós. Aparece a imagem e eu
vejo ao mesmo tempo em que a ultrassonografista diz: Já tenho uma notícia! E
dizemos quase juntas: São dois! Ela afirmando e eu perguntando. Eram dois! Ela
diz: Dois sim! E cada um na sua casinha! Ricardo não falava, apenas ria, ria
alto! Nesse US, descobrimos que cada um veio de um ovário (foi possível
visualizar os dois corpos lúteos), que eram diaminióticos e dicoriônicos, que a
Sofia era o bebê maior e um dia mais velho que o Miguel.
Saindo do US com a mesma
sensação do dia que pegamos o teste de gravidez positivo (é como se você
descobrisse outra gravidez, a mesma felicidade), eu comecei a pensar nas
implicações da gestação gemelar. Logo descobri que não teria um PD, já que não
seria um parto de baixo risco e nenhuma equipe da cidade faria. Então me
dediquei a encontrar um obstetra e equipe que topassem um parto normal e que
não fizessem “pacote-tortura-de-RN-padrão-das-maternidades-brasileiras” nos
meus filhos. Assim comecei a intercalar
o pré-natal: uma consulta com a Fer no Arte e a outra com a Mari (Dra Mariana
Simões) no consultório dela. A Mari me informou, na primeira consulta, que o
único empecilho para um PN seria o primeiro ser pélvico. Nesse caso ela faria
uma cesárea quando eu entrasse em trabalho de parto.
A gravidez passou tranquilamente,
com os mesmos sintomas de uma gravidez única. Não tive nenhum problema: fazia
academia, hidroginástica, trabalhava normalmente e frequentava as rodas de
grávidas do Grupo Vínculo e do Arte de Nascer, porque informação nunca é demais.
Os bebês se mexiam muito e era divertido ver os formatos estranhos que a
barriga adquiria. Com 33 semanas eu resolvi parar de trabalhar. Sentia-me exausta,
já tinha ganhado 14Kg, a barriga era grande, pesava, ficava dura e dolorida no
final do dia. Estávamos em novembro e o calor estava de matar e comecei a
inchar, neste momento senti que era a hora de parar.
A partir daí comecei a ficar mais
cansada. Já não dormia bem: nenhuma posição era confortável, bexiga apertada,
não comia bem, estômago estava apertado, muita azia, não conseguia fazer
praticamente nada. Quase morri de tédio em casa. Assisti tudo que era possível
no NetFlix e li mais um monte de coisas sobre amamentação, (quase não se
encontram informações sobre amamentação de gêmeos, mas esse é outro
relato) livros de parto eu já tinha lido alguns. Saía de casa só para ir aos
grupos, hidro e na acupuntura.
Quando se está grávida as
pessoas gostam de te falar muitas bobagens. Quando é gravidez gemelar, as
previsões trágicas são ditas pra você com naturalidade. Cansei de fazer cara de
alface quando me diziam que gêmeos não nascem de PN, pra fazer estoque de leite
artificial, comprar roupa de prematuro, e mais um monte de bobeiras. O que
realmente me preocupava era: “Ah, mas são gêmeos, nasce antes, né?”. E eu tinha
PAVOR de prematuridade. Então, por mais que estivesse cansada de estar grávida,
eu pedia para os bebês aguentarem o aperto mais um pouquinho.
US de 35 semanas e os dois em
apresentação cefálica! Grande notícia! Até este momento tudo corria na mais
perfeita tranquilidade. Na consulta de 36 semanas com a Fer, minha pressão
estava 130X80 mmHg. Durante toda a gravidez, ela se manteve entre 100X60 e
120X70. A Fer pediu para que eu fizesse medidas em casa e como tinha colhido um
exame de urina uns dias antes por conta de uma suspeita se infecção urinária, e
não havia proteinúria, naquele momento não nos preocupamos.
No dia em que completei 37
semanas eu tinha uma consulta com a Mari. Chegando lá, eu estava novamente com
PA 130X80, uma dor de cabeça forte há uns dias, que não melhorava sem
medicamento e muito inchada. A Mari examinou: tudo ótimo com os bebês, colo
estava finíssimo (SIC) e tinha 1 cm de dilatação. Neste momento, ela me diz que
eu poderia fazer uma pré-eclampsia (PE) a qualquer momento. Explicou que a
cefaléia, o aumento da PA, o inchaço, eram sintomas e a gestação gemelar era
mais um risco. Perguntou se poderia descolar a minha membrana pois estava
preocupada com a possibilidade de PE, eu respirei e disse que sim.
Saí do consultório com um pedido
de exames enorme de rotina para PE, que eu deveria colher no outro dia cedo, e
com a Mari me dizendo pra ir jantar em algum lugar gostoso e relaxar. Não
estava nervosa e nem ansiosa. Sentia que se fosse começar, ainda demoraria
muito. Assim que entrei no carro, comecei a sentir cólicas, mas não dei muita
bola. Estava louca pra assistir “O Hobbit – A batalha dos cinco exércitos” que
tinha pré- estreia mundial naquele dia (10/12/14) e aí compramos ingressos e
fomos os três (eu, Ricardo e Gabriel) para o cinema por volta das 22 horas. Eu
sentia contrações bem espaçadas e estava bem tranquila.
O filme tinha umas três horas, a
sessão estava lotada de nerds que não aguentavam esperar nem mais um dia (tipo
eu) para assisti-lo, então não consegui pegar um lugar perto da saída para o
banheiro sendo que era uma certeza que teria que sair para um xixi em algum
momento. Não sei quanto tempo do filme tinha passado, quando comecei a contar o
tempo das contrações, que estavam acontecendo de 15 em 15 minutos. Saí para um
xixi, passando com aquela barriga imensa no meio da galera toda, fiquei andando
um pouco, voltei e comecei a torcer pro filme acabar, não queria pedir pra ir
embora e estragar o filme para os dois.
Saímos do cinema, e chegando em
casa, falei com a Fer (minha amiga/médica/irmã e também doula), que chegou por
volta das 1:00h da madrugada de quinta
(11/12), e com a Dri (EO do Arte), que chegou umas 2:30h pra monitorar os
bebês. O plano era ficar a maior parte do trabalho de parto em casa. Assim,
passamos a madrugada contando contrações, a Dri ouvido a FC dos bebês (cada
hora era um que “fugia” dela), e eu tentava dormir nos intervalos. A Fer fazia
massagem e me ajudava com a respiração. Lá pelas 6h da manhã a Dri pediu pra
fazer um toque, porque precisávamos dar alguma notícia para a Mari, eu não quis
saber quanto estava.
O Ricardo fez um super café da manhã para as
meninas e umas 8h saímos para colher os exames. As Contrações ainda estavam bem
desritmadas, então as duas foram embora e eu vim pra casa tentar descansar e
esperar os resultados que sairiam às 12h. A Dri voltou umas 11:30h, mediu os
BCFs e a minha PA (que variava de 13X8 e 12X8), e eu continuava com a dor de
cabeça. Quando saíram os resultados a Dri avaliou e passou pra Mari. Estava
tudo normal, entretanto, permanecia com dor de cabeça e a PA variando. Eu não
estava tão preocupada com a possibilidade de PE e sim com o cansaço. Não tinha
conseguido dormir quase nada e ainda tinha um longo caminho a percorrer.
O Ricardo fez uma torta de
frango deliciosa para o almoço, comemos e ficamos a tarde toda ouvindo as
músicas que eu tinha escolhido, dançando e pulando na bola, mas a coisa não
engrenava, quando eu parava de estimular, as contrações sumiam. A Fer chegou umas 17:30h fez uns pontinhos de
acupuntura e ficamos batendo papo quando decidi sair da “vibe de parto”,
acendemos as luzes, desligamos as músicas, parei de pular na bola e resolvi esperar
os próximos sinais. Meu pai apareceu em casa umas 20h (impressionante como as
pessoas ficam sensitivas), preocupado e eu avisei que ainda demoraria e que
estava tudo tranquilo. As contrações vinham bem suportáveis, mas eu estava
cansada e queria dormir.
Assim que as meninas saíram,
eram umas 22h, fui fazer xixi e comecei a sangrar. A Dri (musa, diva “dazindia”)
voltou pra ver a cor do sangue e disse que era do colo e que não precisava me
preocupar, os bebês estavam se movimentando bem. Consegui dormir até às 6h, com
várias idas ao banheiro e perdendo esse sangue com tampão. A PA em casa estavaem
11X7, mas a dor de cabeça permanecia. Era uma sexta-feira, 12/12/14, e eu tinha
consulta com a Mari às 15h.
Fomos à consulta, a Mari
examinou: o sangue era realmente do colo que estava finíssimo, tinha 3 cm, a PA
era de 12X8 e eu ainda tinha dor de cabeça. Ela pediu pra descolar a membrana
novamente e eu não quis por medo de passar mais um dia “prodomando” e ficar
muito cansada, então solicitou novamente todos os exames de PE e orientou a
medir a PA três vezes ao dia em casa.
Ainda na sexta, umas 19h, a Mari
me liga dizendo que estava preocupada comigo. Havia consultado alguns colegas
humanizados e todos concordavam com ela que a melhor conduta, no meu caso, pelo
risco eminente de PE, era a indução e me pediu que internasse no sábado para
iniciarmos. Eu e o Ricardo conversamos e decidimos seguir a recomendação da
Mari. A Dri me deu o melhor dos conselhos neste momento: “Converse com os
bebês! Peça um sinal!”. E eu pedi.
Arrumamos as coisas todas para
sair logo cedo no sábado. E, então, no meio da madrugada, acho que umas 4h da
manhã, entre uma contração e outra, levantei pro xixi e escorreu um monte de líquido,
sangue, tampão, e vieram mais contrações fortes. Era o sinal que eu pedi de que
realmente estava na hora. Fui para o chuveiro e o Ricardo ligou para a galera
toda: Mari, Dri e Fer.
Estava na bola, no chuveiro,
tranquila, pensando que toda água que eu tinha economizado nos últimos meses,
estava gastando nos últimos dias, quando apareceu uma pessoa no banheiro. Olhei
e pensei: “Nossa, a Dri tá diferente”. Não me lembro se ela falou comigo. Saí
do banho e encontro a Dri no quarto, e havia essa outra moça também. Abro os
olhos e pergunto: “Vocês estão se multiplicando?”. Não sei como fiquei sabendo
que a outra moça era a Jéssica, outra enfermeira obstetra amor, que a Mari
enviou para ajudar a monitorar. Ela também foi trolada pelos bebês na hora de
ouvir os BCFs, e começou a espirrar, porque tinha alergia do meu cachorro.
Entre uma contração e outra, eu digo: “Dá uma loratadina pra ela, coitada!”.
Sabendo que estava tudo bem, a
Dri vai embora, me desejando sorte. A Fer chega logo em seguida e me pergunta
com toda a sua tranquilidade: “O que você quer para o café da manhã?”. E aí ela
me traz pãozinho, pão de queijo e faz um café preto cheiroso e gostoso. Tomamos
café os quatro : Eu, Ricardo, Fer e a Jéssica (Gabriel tinha ido para a casa do
pai dele na noite anterior), sem pressa, e depois descemos para caminhar um
pouco, fazia uma manhã fria para os padrões de dezembro no Brasil.
Chegamos na maternidade umas 8:30h
e subimos para o quarto umas 9h, eu ligo pra Ju (minha irmã, fotógrafa) se
preparar pra vir. Estava tudo indo tranquilamente, ouvindo música e ainda
conversando muito com a galera toda. Era dia 13/12/14 e aniversário de 1 ano do
Bernardo, filho da Fer, ela tinha combinado um café da manhã com umas amigas em
comemoração, às 10h, então a doula back up ficaria comigo até ela voltar. Estava
tudo tão devagar que não haveria problema. A Ju chegou, Maria Carol chegou para
cobrir a Fer e logo depois chegou a Mari.
E eu o Ricardo estávamos
abraçados quando ela disse: “Chegou a médica corta clima!” E disse que
colocaria um pouco de ocitocina, pois o trabalho de parto poderia ser muito
longo e tínhamos a eminência da PE. Depois de ligarem o soro, deitei na cama, a
Jéssica colocou o cardiotoco, estava tudo bem com os bebês, e mediu a PA, que
estava normal. Maria Carol e Ricardo me faziam massagens e aliviava a dor. A
Mari examinou, tinha 6 cm, e depois ficou sentadinha no sofá do quarto, lendo
um livro sossegadamente.
Não sei quanto tempo passou quando
a Mari veio com a notícia: “Carol vamos precisar ir pra UTI pois eu vou te
sulfatar!”. O momento foi tenso: eu comecei a chorar DESESPERADAMENTE. Alguém
me explicava o que era o sulfato de magnésio e porque tinha que ser feito na
UTI, eu pensava “Eu sei, eu sei!”, mas só conseguia dizer: “Mari, eu não vou
pra UTI, pelo amor de Deus, não me manda pra UTI!” e chorava. Deste momento em
diante, minhas lembranças são desconexas, foi algo como: Esses bebês vão nascer
de qualquer jeito, eu não vou pra UTI nenhuma! E tudo aconteceu muito rápido.
A Maria Carol percebeu que a
coisa estava ficando mais intensa e pediu pra montar a banheira. Eu fui pra lá,
mas ainda estava vazia, foi quando eu enlouqueci de dor. Era muita dor! Não
tinha posição nenhuma que desse jeito. A Carol me dizia: “Calma que quando a
água alcançar a sua barriga,vai melhorar”. Mas eu não estava aguentando e
comecei a dizer: “Eu vou morrer!!!”, “Me tira daqui!”, “Chama a Mari!”. A Carol
avisou a Fer pra vir pois estava evoluindo rápido. A minha irmã não aguentou a
minha choradeira e saiu pra tomar um café e encontrou minha mãe lá embaixo (eu
avisei que ia internar e pedi que ela esperasse nascerem para vir, mas claro
que ela me ignorou solenemente).
Comecei a implorar pra todo
mundo que eu via: “Amor!! Me tira daqui!!”,”Carooool eu não tô aguentando!!”,
“Mari me dá anestesia!!!”(diversas vezes, nas consultas, a Mari perguntou “Se
estiver com 8, 9cm e pedir anestesia, eu posso te enrolar?” , e eu dizia que SIM!).
O Ricardo falava com a Mari que continuava a ler sossegadamente seu livro no
sofá, e ela dizia “ Nossa ela tá ótima, não se preocupa que é assim mesmo!” A
Carol ficou o tempo todo me dizendo que eu estava indo muito bem, que estava
ótima, que eu era uma guerreira, e muitas palavras de incentivo, e eu olhava
pra ela e dizia : “Eu vou morrer!!!”
A Fer chegou e veio segurar a
minha mão, eu olhei pra ela e disse: “Eu quero ir embora!!”. Ela me respondeu tranquilamente “Amiga, você
está quase lá! Logo vai embora, mas com os seus bebês”. E aí senti vontade de
fazer força e falei. Não me lembro, mas a Mari fez um toque e estava com
dilatação total. As meninas me ajudaram a levantar da banheira, que nunca
encheu, a Carol me enxugou, me colocaram uma camisola e meu chinelo do snoopy e
eu perguntei “Se está na hora, porque não estamos no CO?”. A Mari disse: “Estamos indo! Vamos?” Eu: “Mas
eu vou a pé???” Estava achando que era super longe do quarto, e ela: “Claro!”.
E fui andando. A sala de parto era logo ali, e a dor tinha mudado
completamente: não era mais enlouquecedora, ou eu estava muito doida!
Chegando na sala, sentei na
banqueta e o Ricardo se posicionou atrás de mim, eu me apoiava nele. Era
confortável essa posição. Tinha sido tudo tão rápido que a Fer quase não
conseguiu achar a Ju a tempo de entrar no CO, mas ela chegou bem na hora pra
fotografar. Logo vinha a vontade imensa de fazer força. Eu abria os olhos e via
equipe toda, a Mari sentadinha no chão na minha frente, os pediatras em pé no
fundo, a Maria Carol (que mesmo sendo back up, acabou ficando, e eu a agradeço
muito por isso!) na minha frente me oferecendo o rebozo na hora da força, a Fer
sentada do meu lado, segurando a minha mão, me ajudando com a respiração e
conversando comigo, me lembro da sua voz calma, transmitindo muita
tranquilidade e a Ju posicionada com sua câmera na mão.
Me sentia muito amparada e sabia
que estava tudo indo bem. A Mari me dizia pra fazer força, mas não era preciso
pensar pra fazer: A força vinha sozinha. Eu amei essa sensação! Meu corpo
fazendo força pra colocar meu filho no mundo e não era preciso racionalizar, não
era preciso nada além de deixá-lo fazer seu trabalho. Até que senti a cabecinha
do Miguel sair, a Mari me falou pra colocar a mão e sentir o cabelinho. E eu
senti! O cabelo do meu filho que ainda estava dentro de mim, que coisa
maravilhosa! Mais uma força e a cabeça saiu. Nessa hora eu senti um movimento
estranho e a Mari me avisa: “É o Miguel mexendo a boquinha pra chorar!”. Quase
morri de amor e o guri nem tinha nascido ainda!
Outra força e ele nasceu! Aquele
corpinho molhado, quentinho e todo perfeito! Como era lindo! Como eu queria
ficar olhando pra ele o resto da minha vida! Como pode isso de amor instantâneo? Eu escuto o Ricardo
chorando atrás de mim, mas não consigo desgrudar os olhos do meu pequenino. E o
cheiro? Que cheiro maravilhoso! Cheirinho de amor! Eu estava apaixonada e o
puxei pra cima, quando escuto a Dra. Otília dizer que o cordão era curto, daí
ele fica ali, em cima da minha barriga, que ainda abrigava sua irmã, e chora.
Eu poderia pausar a minha vida nesse momento de máxima felicidade e plenitude.
Esperamos parar de pulsar e a Ju
cortou o cordão dele, porque o papai tem pavor de sangue (ele foi muito bem pra
quem não pode olhar uma gota de sangue sem passar mal). A Otília me pergunta o
que nós tínhamos planejado, e digo para fazer apenas a vitamina K. A dor tinha
acabado totalmente e eu faço a piada que fiz a gravidez toda: “Nasceu! Acabou!
Só que não!”. Ninguém achou graça, porque estavam todos tensos: A Sofia ainda
estava alta, e se não descesse, teria que nascer por cesárea.
Colocamos o Miguel pra mamar,
pra estimular a volta das contrações. Ele mamou, a Mari ligou a ocitocina
novamente, colocou cardiotoco pra ver se estava tudo bem com ela e depois me
pediu pra me movimentar. E as contrações voltaram! A Fer e a Carol me deram
água, chocolate e me ajudaram a levantar, mas eu não tinha forças. Estava
exausta. Levantei, mas tremia, e já quase não conseguia ficar em pé. A Mari me
olhou e, sem que eu precisasse pedir, ela disse que chamaria o anestesista para
que eu descansasse e me avisou que a Sofia precisava descer. Que alívio!
A analgesia foi maravilhosa.
Fiquei doidona e falei pro anestesista pra ele fazer essa anestesia em todo
mundo, que era muito boa! O Ricardo foi pro quarto descansar também. Ele e a
família toda, que a essa hora já sabiam que o Miguel tinha nascido e a Sofia
não, estavam preocupados com a possibilidade de ainda ter uma cesárea. Mas eu
não! Eu tinha uma intuição de que ela nasceria, estava tranquila, tão tranquila
que dormi. Neste intervalo a Fer levou o Miguel para minha mãe conhecer no
corredor, quebrando todos os protocolos do hospital, e se comportando como se
estivéssemos em casa.
Acordei com vontade de fazer
força! Olhei, vi a Fer e falei que achava que ela estava nascendo! Aquela
correria pra chamar todo mundo de volta pra sala! Eu fiz duas forças e ela
nasceu! O Ricardo chegou um minuto antes! E de novo eu o ouvi chorando e não
consegui desgrudar os olhos da minha pequena guerreira! Que gostou de ter todo
aquele útero quentinho só pra ela por um tempo, mas que não ia nascer de cirurgia não! Nasceu
e chorou imediatamente, mostrando a que veio! Nasceu com as mãozinhas
entrelaçadas, como quem estava rezando, veio pro meu colo e abriu seus olhinhos
observadores. E eu sou muito privilegiada por viver esse momento de êxtase duas
vezes no mesmo dia!
Outro cordão curto e, dessa vez,
eu mesma corto e depois fico lá: curtindo aquele corpinho sobre o meu, aquele
amor inexplicável e súbito, não consigo tirar os olhos dela. A Mari me avisa
que tive períneo íntegro, e me mostra a minha placenta dupla, que eu acho linda
de morrer. O Miguel dorme profundamente num bercinho enquanto a Sofia vem para
o peito mamar.
Nasceram dia 13/12/14, ele com
2,760kg ás 13:14h , ela 2,790kg às 16:28h, ambos com 48cm de 37 semanas mais 3
dias. Exatamente um ano após o nascimento do Bernardo, o filho da Fer. Neste
dia choveu, depois de uma longa seca que aterrorizava São Paulo. Otília vem
olhar a Sofia mamar e me diz que, até aquele dia, nunca tinha visto um parto
natural gemelar.
Agradeço imensamente a essas
pessoas incríveis que participaram deste momento e me considero muito sortuda
por ter esbarrado com profissionais tão apaixonadas pelo o que fazem, que se
tornaram amigas especiais. Eu e Fer, que já erámos muito próximas, agora temos
esses dois momentos espetaculares em nossas vidas, o nascimento dos nossos
filhos, compartilhado, e pra comemorarmos juntas todos os anos. É muita
sintonia!
Agradeço mais ainda por ter um
companheiro que acreditou na nossa capacidade, que superou seus traumas de
nascimento, me incentivou, me apoiou, se informou também, e pariu comigo, se
tornando um pai que tenho muito orgulho de dizer que escolhi para os meus
filhos.
Parir após uma cesárea é
possível. Parir gêmeos é possível e o segredo é informação. Eu faria tudo de
novo, do mesmo jeito, se preciso fosse, porque: parir é bom demais!
*blog da Lola, onde ela escreve
sobre cinema e feminismo (escrevalolaescreva.blogspot.com.br)
**relato publicado à pedido e com autorização da Carol :)