Nascimento da Isadora - Relato de VBAC

Trouxemos hoje o relato da Mariana, uma querida que participou de várias reuniões do GV  e construiu um lindo caminho para a chegada da sua caçula. 
Se acomodem na cadeira, peguem seus lencinhos e boa leitura! :)


Relato de parto após uma cesárea - VBAC

        Fazer este relato de parto é reviver aquele momento tão especial, é um modo de registar e não deixar que o tempo apague da memória as impressões e sentimentos que insurgiram em todo processo, sobretudo é uma forma de compartilhar informações, impressões e experiências que podem ser potência para empoderar outras mulheres na busca por um parto e nascimento humanizado.
 Foi na gestação e nascimento da Maria Clara, há quatro anos, que começou o caminho para a chegada ao parto normal. A Maria Clara foi trazida ao mundo por uma cesariana agendada, realizada com 35 semanas de gestação. Naquela época a vontade de ter um parto normal já existia, mas duas conizações[1] de colo de útero durante a vida e uma pielonefrite aguda[2] durante a gravidez deixaram eu e meu companheiro completamente entregues as decisões do médico, minha fragilidade emocional, medo de perder minha filha me faziam segui-lo sem perguntar o porquê e como, ele indicava e eu seguia. 
Me lembro exatamente do dia em que combinamos a data do nascimento, ele pegou a agenda e disse que tinha espaço no dia 31 de janeiro de 2011, achei uma data esquisita e pensei no meu íntimo “será que minha filha quer nascer neste dia? ”, não falei nada e fui. Hoje me parece que agenda do médico determinou o dia do nascimento da minha filha, aconteceu que a fisiologia, as leis da natureza, a saúde, os desígnios divinos, a ancestralidade não contaram...

[...] O que está acontecendo?
O mundo está ao contrário e ninguém reparou
O que está acontecendo?
Eu estava em paz quando você chegou
[...]
O que você está fazendo?
Milhões de vasos sem nenhuma flor
O que você está fazendo?
Um relicário imenso deste amor
(Compositor : Nando Reis/ Interprete: Cássia Eller)

Dia 31 de janeiro me internei no hospital, passei a tarde sozinha tomando penicilina, as 20:30 fui para o centro cirúrgico. Minha Filha nasceu as 21:00h e  desse momento me lembro: das conversas dos médicos sobre o futebol; do meu marido atrás de mim me acariciando; do cheiro de queimado do bisturi na minha carne;   da minha filha trazida para o meu lado e eu tentando  traze-la para mim sem conseguir, pois  meu braço estava amarrado (dor no coração!); do meu carinho chegando à minha filha através da minha fala a qual ela parou de chorar para  prestar a atenção  e meu coração transbordando de amor;  da minha filha sendo levada para o berçário  minutos depois do nascimento;  de eu falando pro médico “ ela nasceu respirando bem né” e ele respondendo “ nasceu, mas tem-se que observar durante as 10 primeiras horas de nascimento”.
 Logo depois da cirurgia me levaram para sala de recuperação onde o que me restou foi encontrar outras mulheres que também tiveram a cesárea com nosso médico, tive impressão que aquele foi o dia do mutirão das cesáreas.

“Depois de milhões de anos nascendo segundo as leis da natureza, a humanidade entendeu que podia otimizar este processo.
Há milênios a mulher sabe parir. Seu corpo foi feito para isso. Não há porque duvidar. Mas desaprendemos, porque gerações de mulheres não entram mais em trabalho de parto. As mulheres não sabem mais parir. As mulheres têm medo de parto natural, mas não tem medo de um bisturi. Um bisturi que lhes corta a carne numa agressividade brutal e lhes arranca o feto que estava acolhido no ventre, esperando a hora certa chegar. As mulheres têm medo de parir porque são desencorajadas todos os dias, por todos os motivos, por todos os mitos, por todos que lhe cercam: pela televisão, pelos médicos e enfermeiros, pela prima da amiga da vizinha. “ (Filme: O Renascimento do Parto)

Minha filha voltou para mim no quarto após umas 8 horas, quando começou a luta para amamentá-la, já haviam dado fórmula para ela enquanto estava no berçário. Ela conseguiu mamar depois de horas de tentativas com auxílio de enfermeiras, eu estava obstinada nisso afinal durante a gestação havia lido muito, assistido vídeos informativos e depoimentos sobre amamentação.   Me preparei bastante com informações e apoios sobre a maternidade, já em relação ao parto deixei nas mãos do médico, foi um processo de tanta resignação e submissão em nome da sobrevivência que nem parecia eu.  O saldo disso tudo foi que eu e Maria Clara estávamos vivas e saudáveis e, então eu agradecia por tudo sem questionar, segui a vida apaixonada pela bebê e pela maternidade.

[...] A vida me fez assim
Doce ou atroz, manso ou feroz
Eu, caçador de mim
Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar longe do meu lugar
Eu, caçador de mim [...]
(Compositor: Sergio Magrão/ Intérprete: Milton Nascimento)

 Dentro de mim ficou a vontade por um parto normal, sempre pensava “não quero passar por esta vida sem vivenciar um parto” ou “sem vivenciar um trabalho de parto”. Eis que 3 anos depois estávamos grávidos da Isadora, então pensei “ chegou a hora, agora poderei seguir rumo ao parto normal”.
Uma amiga, logo que soube da gravidez, tratou de me passar o contato de sua doula maravilhosa, guardei com muito carinho para hora que sentisse vontade de ligar, naquele momento eu ainda não sabia muito bem o que faz uma doula, mas sentia que faria parte desse caminho ao parto.
Outra amiga, que há pouco havia trilhado o caminho para o parto humanizado tratou de me indicar sua médica, a princípio agradeci, mas disse que confiava em meu médico e que não tinha coragem de mudar.  Esta amiga me disse que confiava muito nesta médica humanizada e se eu estava procurando um parto normal ela era a pessoa certa, só fazia cesarianas ou qualquer outra intervenção quando fosse necessário para garantir a saúde da mãe e do bebê.
 Sabendo da gestação fui fazer a consulta de rotina com meu gineco, aquele que fez a cesárea da Maria Clara, fizemos todos os exames e protocolos, estava tudo bem. Ele era atencioso, pedia um monte de exames, respondia quando o solicitava por e-mail, tinha até ultrassom no consultório. Acho que na segunda consulta falei com ele sobre a possibilidade de parto normal, ele a princípio, disse que tudo bem, anotou lá no computador dele, disse que eu tive boa dilatação na primeira gravidez, e que tudo dependeria de como eu estaria no final da gravidez “se o bebe não tivesse circular de pescoço e se estivesse encaixado” nós faríamos. Na saída desta consulta a instrumentadora me chamou e disse “você vai querer parto normal? Para fazê-lo o doutor cobra R$ 5.000 mais R$ 500 da instrumentadora”, só consegui responder “nossa subiu né, na minha cesárea há 3 anos ele cobrou R$ 1.200” e ela interpelou “é porque parto normal ele tem que ficar à disposição”. Fiquei um pouco desconfiada de tudo.
Para aliviar cansaço e estresse do trabalho procurei uma profissional que fizesse massagem e que conhecesse bem grávidas, encontrei na net a Renata Olah, agendamos, ela atendia no espaço do “Arte de nascer”. Por acaso ou por sincronicidade ela também é doula e uma ativista pelo nascimento humanizado. Foi muito mais que massagens, foram altos papos sobre respeito ao nascimento, empoderamento das mulheres, dicas de leituras, desabafos... Lá nasceu uma forte afinidade e confiança, depois de alguns meses meu coração pedia a Rê como doula.
        Com a Rê veio junto os encontros no Arte de Nascer e no Vínculo, dois grupos de apoio ao nascimento humanizado. Um dia, depois da massagem que acontecia do espaço do Arte, estava uma chuvona, um toró e sentei na recepção para esperar passar, então as parteiras me convidaram para participar do grupo pós-parto que estava acontecendo. O tema era sexualidade pós-parto, fiquei meio perdida, deslocada e estava preocupada com horário de buscar minha outra filha. Mas, aquele momento foi maravilhoso, pude estar entre mulheres que se apoiavam, compartilhavam suas alegrias, dores, dúvidas, conquistas, dificuldades, experiências, informações sobre a maternidade, senti aquilo como muito poderoso. A partir de então comecei a participar dos grupos de gestante no Vínculo e no Arte e meu marido embarcou junto.

“O universo conspira a nosso favor
A consequência do destino é o amor”.
Roberta campos/ Nando reis

Nessa altura já estava grata pelos encontros e as partilhas de cura que a vida havia trazido, e também aberta para conhecer a médica humanizada indicada pela minha amiga, foi uma consulta longa de muita conversa, fiquei ansiosa, pois ela trouxe todo meu protagonismo no parto e afirmou sua posição de fazer intervenções somente quando necessário,  questionou sobre o que eu buscava, que informações tinha, e incentivou a ter uma doula e participar dos grupos de gestantes, eu não estava acostumada com isso. A cada consulta nos conhecíamos e construímos uma afinidade e segurança.
Em paralelo continuava a me consultar com meu médico, agora com o dilema de como contar que tinha uma doula para me acompanhar no parto, afinal ele era o detentor de todo saber, como questionar isso?  Comecei a pensar na possibilidade de mudar de médico. Tentava tirar algumas dúvidas sobre o parto e ele sempre respondia me colocando algum medo do tipo: “doutor você faz aquele cortinho na vagina?”, ele respondeu “tenho que fazer, para facilitar a saída. Estes dias não fiz em uma paciente que não quis, rascou tudo depois tive que dar 40 pontos” e eu desconfiava cada dia mais.  Comecei a perceber que se meu parto fosse normal seria cheio de intervenções desnecessárias e agressivas, corria o risco de passar sem necessidade por:  episiotomia, fórceps, litotomia, indução com ocitocina etc. Estava chegando a óbvia conclusão de que em solo infértil semente não vigora.
Até que um dia cheguei ao consultório, estava com mais ou menos 26 semanas, ele fez um exame de toque e disse que o colo do útero estava aberto, que iria fazer uma cerclagem[3] com anestesia raquidiana e tudo, pois eu estava correndo o risco de um parto prematuro, da bolsa escorregar. Sai do consultório com as guias de internação para próxima semana. Estava atônita, liguei para minha doula, ela sugeriu que eu ouvisse uma outra opinião sobre isso, mediou uma consulta com a médica humanizada.  Nesse momento pedi muita proteção e sabedoria.

Meu anjo de luz, que ilumina
Compositor da minha sina
Não deixe que espinhos me ceguem
Guarde meus caminhos que seguem
Os carinhos dessa menina.
(Compositor: Miltinho Edilberto/ Intérprete: Maria Gadu)

Nessa altura fiquei dividida, não podia ser negligente com minha filha e comigo, questionar o médico e colocar em risco nossas vidas e saúde, mas também não podia me entregar a esse procedimento cegamente, mais uma vez ser levada sem considerar as leis da natureza, a fisiologia e também correr o risco de colocar nossas vidas e saúde em perigo. Fui ler sobre o assunto e a principal informação foi que nessa idade gestacional o procedimento de cerclagem não é indicado.
Na consulta com a médica humanizada ela me examinou e não verificou colo aberto, então me disse que ela não teria a conduta de cerclagem nesta idade gestacional e para este colo fechado. Todavia, ela disse que não poderia dizer nada sobre a conduta de outros colegas de trabalho, portanto a escolha de realizar ou não o procedimento era minha.  Decidi por não aparecer na tal cirurgia (inclusive o Plano de saúde não autorizou, por falta de justificativa) e enfim não fui mais nesse médico. A gestação foi até 40 semanas e 6 dias com vida normal, trabalhando, cozinhando, cuidando da Maria Clara, namorando, passeando... embalada pelas canções da vida.
As conversas nos grupos e com a doula fizeram eu e o Gui pensar no parto domiciliar, ficamos embevecidos com esta possibilidade, ter a nossa filha no aconchego do nosso lar, vivenciar o trabalho de parto na rotina da casa usando nosso banheiro, comendo nossa comida, deitada em nossa cama, longe da frieza do hospital, não precisar sair de carro e andar mais de 20 km para chegar ao hospital no momento do trabalho de parto e ter a Maria Clara participando de tudo.  Lemos muito sobre isso, assistimos vídeos, conversamos com a doula e nossa médica, diante todas as informações o que pesou contra foi o fato de termos que ir para o hospital mais próximo caso houvesse alguma intercorrência urgente, não podia imaginar qualquer possibilidade de ter que ir para o hospital de nossa cidade tão mal afamado. Optamos pelo parto hospitalar em um hospital que confiamos.
Quando estava de exatamente 35 semanas (idade gestacional que nasceu a Maria Clara) numa noite comecei a ter contrações que iam e voltavam de 5 em 5 minutos, sabia que para ser trabalho de parto tinham que engrenar e ser fortes, então esperei, tomei banho, fiz escalda pés e depois de três horas elas pararam. Foram os famosos pródromos, meu corpo já estava ensaiando.  Lemos, assistimos vídeos, conversamos com colegas, participamos de grupos sobre trabalho de parto, queríamos saber reconhecer quando chegasse a hora, não queríamos me precipitar atropelando tudo a qualquer sinal.
A partir das 36 semanas (isso foi final de julho de 2015) tirei férias do trabalho e fui preparar a casa para chegada da Isa, comprar roupinhas e enxoval que faltavam, lavar e passar roupinhas, montar berço, arrumar armários, cuidar dos preparativos do casamento do meu irmão (aluguel de roupas da família) ele iria casar e em 5 de setembro de 2015. Essa arrumação toda incluía muita caminhada em shoppings. Também aproveitei para descansar, dormir, passear em lugares que gostamos, brincar muito com a Maria Clara. Quando entrei na 40º semana começou a bater a ansiedade em mim e na minha família, não sabíamos se ela iria nascer antes, durante ou depois do casamento do meu irmão, e quando essa pressão batia eu pensava no meu íntimo e as vezes falava, vai nascer quando a Isadora estiver pronta, quando meu corpo estiver preparado, quando a natureza mandar, quando Deus quiser e isso é mais importante que tudo.
Quando estava com 40 semanas e um dia, era um domingo, eu e o Gui namoramos pela manhã, nos arrumamos e fomos almoçar na casa dos meus pais como de rotina, a tarde tinha o chá de cozinha surpresa para minha cunhada. Quando foi chegando próximo ao almoço comecei a ter contrações eram mais fortes que as anteriores. Almoçamos gostoso e tivemos que voltar pra casa porque a dor apertava, queria deitar, eu e o Gui nos perguntávamos “será que vai ser hoje?” Dessa vez não queria contar as contrações, quis deixar acontecer.  Pela tarde saiu um sanguinho com uma melequinha, que continuou saindo até o parto, mandei uma mensagem pra Rê. Comemoramos, era um pedaço do tampão, ela falou que se apertasse ela viria para casa, tomei um banho quente de banheira e pelo começo da noite as contrações cessaram. Ainda não era trabalho de parto, eram os pródromos, meu corpo trabalhando...
Já estava tendo consultas semanais. Com 40 semanas e 3 dias a Drª me examinou e falou já está com dois dedos, que estava tudo ótimo com a bebê, era uma segunda feira, conversou comigo sobre a possibilidade descolar a membrana na sexta feira para induzir o trabalho de parto, pediu ultrassom para ver meu líquido e placenta. Fiquei pensativa sobre o assunto, conversei com Rê e questionei: seria uma intervenção? seria necessária? A idade gestacional já não estaria avançada? Fiquei de decidir sobre o procedimento na quinta-feira depois de fazer a ultra.   Até que na noite de quarta para quinta o destino, a natureza, Deus decidiu por nós.
Até a quarta caminhei bastante, o tampão continuou saindo, quando foi na quarta de madrugada comecei a sentir umas dorzinhas, tentava dormir, pensava vou descansar até quando puder, porque sabia que ia precisar de toda energia, dormia e acordava,  entre estas dormidas tive um sonho: sonhei que  acordei e fui descer até a cozinha para beber água, ou qualquer coisa do tipo, e no patamar da escada  vi um homem  de branco  e  pela janela vi a casa  rodeada de “pessoas”, voltei correndo pro quarto com medo e falei pro meu marido que a casa estava rodeada de espíritos e que a casa não era velha pra ter tantos espíritos. Depois em outro momento na casa da minha mãe uma psicóloga vinha até mim dizer para eu não preocupar ou ter medo que aquela pessoa da escada era meu anjo guardião que havia chegado para proteger meu trabalho de parto. Seja uma proteção psicológica ou espiritual sei que este sonho me confortou muito.  Era madrugada, acordei desse sonho com a certeza de que o trabalho de parto começaria de verdade,  naquela hora  senti vontade de tomar um banho e  me arrumar para  trabalhar na  chegada da Isa. Sentia as contrações e tinha um pouquinho de sangramento do meu colo se abrindo.

Na bruma leve das paixões
Que vêm de dentro
Tu vens chegando
Pra brincar no meu quintal
No teu cavalo
Peito nu, cabelo ao vento
E o sol quarando
Nossas roupas no varal
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
A voz do anjo
Sussurrou no meu ouvido
Eu não duvido
Já escuto os teus sinais


Por volta das 4 da manhã uma chuva fina tomava a entrada  do dia, as contrações vinham e voltavam, senti vontade de ter a Rê do meu lado, liguei e  por volta das 7 ela estava conosco, ligamos pra Michele vir fotografar o momento como combinado, minha mãe e meu pai vieram buscar a Maria Clara. Foi uma manhã de chuva fina, muito confortável, nos intervalos entre uma contração e outra conversávamos, escutávamos músicas que nos embalaram durante toda gestação, caminhávamos, comíamos, e quando as contrações vinham alternávamos entre massagens da Rê,  bola, carinhos do Gui...
Sentia as contrações como ondas... Na hora do almoço minha mãe trouxe uma sopinha, a Maria Clara voltou, ficamos brincando um pouco.



Depois do almoço a obstetriz chegou para me examinar, conversamos um pouco, demos belas risadas. Ela nos examinou, a bebê estava ótima, fez o toque e falou “1 para 2 de dilatação” pensei com  raiva “como assim? depois de tudo isso só um”.  Ela tentou me confortar dizendo que o trabalho de parto era um exercício de respeito ao tempo da minha filha, que meu corpo estava conhecendo aquela enxurrada de hormônios pela primeira vez. Então a doula, a fotógrafa e a obstetriz acharam melhor ir embora para me deixar relaxar, pois ainda eram os tais pródromos.



Eu e o Gui subimos para o quarto e falamos, “vamos dormir, descansar”. Que dormir que nada! As contrações apertaram muito, vinham mais intensas e menos espaçadas, para tentar aliviar eu tomava banho de banheira,  de chuveiro e nada, pelo contrário,  a dor apertava mais e mais,  chegou uma hora que eu não sabia mais o que fazer, comecei a vocalizar e perguntava “Gui o que que eu faço?”. Nessa altura já tínhamos um grupo no Whats formado por nós e toda equipe, e mandei a mensagem: “A dor tá foda”. Tinha sangramento do colo dilatando e as mensagens rolavam “fui na bola, na banheira mudei de posição e estou urrando de dor, gente tô ficando insegura se aguento, nem começou e estou urrando”.
Pelo início da noite as meninas voltaram, eu estava totalmente descontrolada, vocalizando muuuuiiiiiiiiiiiiiito. A Rê conversou comigo me falava “você está ótima”, achamos uma massagem que atenuava a dor e alternava entre bola, banheira, chuveiro, massagens e a cada contração a Rê falava “menos uma”. Sai do descontrole e me acalmei. A obstetriz nos examinou, a bebê estava ótima, minha pressão estava boa, e a dilatação estava 4 cm, pensei “porra ainda, depois de tudo isso só 4 cm?”. Combinamos de ir pro hospital quando estivesse com 8cm.  Elas me diziam “seu corpo está conhecendo esse processo pela primeira vez, é assim mesmo está tudo dentro do esperado”.

[...] Debaixo d’água tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar
Mas tinha que respirar
Debaixo dágua se formando como um feto
sereno confortável amado completo 
sem chão sem teto sem contato com o ar[...]
(Compositor: Arnaldo Antunes/ Interprétre: Maria Bethânia)

Meu corpo ia se abrindo para Isa nascer e eu ia descobrindo um outro lado: “ser doce  e resiliente na dor”, diferente do meu padrão  de comportamento é o de fera ferida,  na dor atacar e vociferar,  isso porque a dor do parto é a dor da cura e não a dor que fere.


A noite foi entrando e a dor apertando e só o que atenuava era banheira com água jogada na barriga com um baldinho , ora pela Rê, ora pelo Gui, até a Mi fotografa entrou na dança, e muitas reboladas apoiada ora no Gui, ora na Rê (sabe que as reboladas eram gostosas!), o  trabalho era pesado, o cansaço e o sono começava a pesar em todos. Era umas onze horas da noite comecei a pensar em anestesia, em hospital.  Me perguntava: “Por que escolhi este caminho?” e respondia “é assim que tem que ser,  meu corpo foi feito para isso, é assim que Deus fez, essa é a natureza  afinal minhas avós tiveram mais de 10 filhos em casa”



Água, reboladas, pensamentos tais como "cheguei até aqui não vou desistir agora” iam levando o processo, comecei a ter um azia terrível, cada contração uma azia, não conseguia comer nada, as meninas e o Gui me ofereciam comida e eu recusava, me lembro da Rê me dando um pouco de sorvete na boca e falando tem que comer para ter energia.
Quando foi lá por volta de meia noite outro exame de toque ainda 5 centímetros, então eu disse “em casa até as 4h da madrugada, depois  pro hospital, é meu limite, também não quero correr o risco de pegar transito com contrações e a partir das 6h o transito é infernal”. Dava leves cochiladas entre uma contração e outra.
Quando deu 4 horas da madrugada começamos a nos arrumar para ir à maternidade, outro exame antes de ir, 7 cm de dilatação, “porra ainda!”. Chegamos lá tive que passar por todo aquele protocolo do Hospital documentação, triagem.. Sentadas na recepção eu gritava, vocalizava, a Rê me acalentava, que ombro mais gostoso! Não sei quanto tempo ficamos ali. Na triagem o médico do plantão me disse que estava indo bem com 5cm  pensei “mas não era 7 cm?, o que está acontecendo, este negócio não tá indo, esta involuindo”, estava ficando incrédula.


Subimos pro quarto, logo chegou minha médica e me falou “vc tá sendo guerreira hein, Mari?” e isso me animou. Ela me disse estava com 7cm de dilação, mas a bebê estava alta, por isso indicava estourar a bolsa para ela descer, também disse que como eu já estava há mais de 20 horas de trabalho de parto indicava a ocitocina para tornar as contrações mais eficientes e assim as intervenções foram feitas na medida certa, na hora certa. Também tomei uma bomba de remédio para azia, que foi o céu, vomitei muito depois passou aquela queimação.
 Realmente as intervenções aproximaram a chegada da Isa, o intervalo entre as contrações diminuíram e então eu saí de mim, queria ficar na cama encolhida, a Rê e a médica me indicavam acocorar, ajoelhar e eu tentava, fui pro chuveiro e lá sai de mim totalmente, entrei em outra dimensão, oscilava entre a realidade e um mundo à parte. Teve uma hora que Rê me falou “olhando de fora você está ótima!” e eu pensei “e olhando de dentro eu me vejo sofrendo com o tempo que está levando”,  então eu disse pra Rê “você não me disse que sofreria tanto” e ela me disse “ você não está sofrendo”.  
O trabalho de parto para mim foi esperança, alegria, doçura, ternura, mas também despertou dores da alma, me colocou frente a frente com o descontrole, com o ritmo da minha fisiologia e com a dor (lidar com a falta de controle é muito difícil pra mim), a entrega total e incondicional era meu desafio. Então, não foi o trabalho de parto que me fez sofrer, mas ele me colocou de frente com o sofrimento da minha alma.
Nesta altura comecei a pedir anestesia insistentemente, para mim era condição para continuar, a dor tinha chegado no limite, pedia pro Gui “Faz isso por mim, chama o anestesista”. Todavia, havia combinado com médica previamente em consulta que provavelmente o desespero me faria pedir em algum momento anestesia e que ela deveria tentar postergar o máximo. Ela me examinou e disse “está com 10 cm, bota mão e sente a cabecinha da sua filha, é cabeludinha,”. Senti uma emoção imensa, ela continuou ”tá no final não vale a pena a anestesia agora”. Fomos pro centro obstétrico e topei tentar mais um pouco sem anestesia, combinamos de fazer força na contração, a Dra me perguntava: “está sentindo vontade de fazer força?” e eu não sabia. Sentei na banqueta e apoiada pelo Gui e pela Rê, fazia muita força nas contrações e tentamos por um bom tempo; a Dr examinava os batimentos da bebê e estava tudo bem, então continuávamos. Elas me orientavam onde deveria fazer a força,
Eu já estava muito cansada, há quase 24 horas sem comer e dormir direito, comecei a pedir anestesia novamente, dizia que precisa para ganhar forças pra continuar. O anestesista veio, a pedido da doutora, todos saíram da sala exceto ela e enfermeira do hospital.  Foi pedida uma anestesia que não me “chumbasse” muito, assim foi feito, a anestesia aliviou a dor, mas não a tirou por completo ainda sentia as contrações, pedi para descansar uns minutinhos para ganhar forças. A equipe toda voltou e o Gui também, fiz algumas forças em posição litotomica, então a doutora pediu pro anestesista para eu continuar o trabalho na banqueta, voltei pra banqueta com ajuda, pois minhas pernas ficaram meio bambas com a anestesia. Ah que delícia sentar naquele banquinho em posição vertical ! Pensei “agora ela nasce!”. Fiz algumas forças que tirei das entranhas, e todos estavam ali me apoiando, diziam “assim mesmo”, “vamos ela está chegando”, “bota mão sente a cabecinha”, “esse movimento de vai e volta esta massageando seu períneo” a todo momento os batimentos da Isa era monitorado  e a doutora dizia “ ela está ótima”.



A Isadora chegou no dia 28/08/2015 as 14:20h, seu  pai a pegou nos braços com ela ainda ligada em mim através do cordão, depois ela veio para  o meu  peito com aquele cheirinho de cria recém-parida,  seu cordão foi cortado só depois que parou de pulsar ( muito amor no coração!). Isso era maior que tudo!



Na hora que ela saiu a doutora deu uma ordenhadinha no sangue de seu cordão, pois nasceu um pouquinho deprimida. Eu fui rapidamente para sutura, pois minha laceração, apesar de pequena sangrou bastante, depois fui para sala de recuperação da anestesia tudo feito com a Isa juntinho à mim.
 A bebê foi examinada pelo pediatra acompanhada pelo pai e estava ótima, não teve procedimentos protocolares desnecessários como colírio de nitrato de prata e aspiração de vias aéreas, já na primeira hora grudou no meu peito e mamou, mamou...
 Ainda na sala de recuperação da anestesia ela começou a apresentar dificuldades de adaptação respiratória, foi levada para o capuz de oxigênio na incubadora ficou por dois dias na UCI, precisou de fato, por um motivo real, ficar longe de mim, mas sempre que era possível eu estava do seu lado cuidando e conversando. Não via a hora de pegá-la e amamentá-la; eu sabia que ia ficar tudo bem, como de fato ficou. Dois dias depois do nascimento ela veio para quarto, mamou bem e um dia depois tivemos alta, quando fomos pro aconchego do lar. Uma semana depois estamos nós lindas e belas no casamento do meu irmão apresentado a Isa para toda família e amigos.


Tudo aconteceu da melhor forma possível, respeitando a integridade física e emocional minha e da Isadora.  Para que chegássemos lá foi preciso coragem, conhecimentos, apoio e, sobretudo, o encontro com pessoas maravilhosas que me ajudaram a resgatar o poder interno sobre a minha vida, sobre meus caminhos, sobre os meus desígnios. FARIA TUDO DE NOVO!







[1] A conização do colo do útero é um procedimento cirúrgico no qual um pedaço em formato de cone é retirado do órgão para a realização de uma biópsia.
[2] A pielonefrite é uma infecção bacteriana de um ou ambos os rins. A infecção renal é um caso potencialmente grave, já que estamos falando da infecção de um órgão vital.
[3] A cerclagem é o tratamento para a insuficiência istmo cervical. A cirurgia é feita através da vagina e tem a função de suturar o colo do útero para que ele segure o feto até que esteja pronto para nascer.