Recepção humanizada ao recém nascido

A humanização do nascimento compreende os esforços para evitar condutas intempestivas e agressivas para o bebê, mesmo que já agregadas a rotina hospitalar. Através de atenção  qualificada e individualizada  o pediatra/neonatologista buscará garantir o bem estar do recém nascido com foco na interação entre a mãe e seu bebe no momento do nascimento.

O atendimento ao recém nascido, fruto de uma gestação de baixo risco, normalmente envolve procedimentos simples que devem ser discutidos com a gestante preferencialmente durante o pré natal.  Infelizmente nem todos hospitais disponibilizam as práticas de atenção ao recém nascido de acordo com as evidências cientificas e nem toda rotina é totalmente benéfica tanto para a mãe quanto para o recém nascido.

Logo apos o nascimento, verificando-se que o RN está respirando ou chorando,  e que os batimentos cardíacos estão  adequados,  seca-se  o bebe com campos previamente aquecidos e colocando-o em contato pele a pele com a mãe.  A transição do ambiente intrauterino para o ambiente seco e frio da sala de parto facilita a perda de calor resultando em grande consumo de energia. O contato pele a pele imediato favorece a  manutenção  da temperatura corporal do recém  nascido, melhora a relação  de vinculo e apego entre mãe  e filho, facilita a estabilização  cardiorespiratoria  do neonato além de mostrar uma associação  positiva com o tempo de amamentação  mais prolongado.

Sempre que as condições da mãe e do RN permitirem, o primeiro contato pele a pele deve ser feito imediatamente após o parto. (Manual do Ministério da Saúde, 2011)

Um bebe que apresenta boa vitalidade  não necessita de qualquer manobra de reanimação.  Os procedimentos especializados como aspiração  de vias aéreas  devem ser garantidos aos bebes em risco para ser utilizados somente quando necessário. No entanto a aspiração de rotina de bebes saudaveis, como realizada de rotina em diversos hospitais deve ser evitada tanto pelo desconforto quanto pelo reflexo vagal com bradicardia que pode associar-se a esta manobra. 

O momento adequado para se realizar o clampeamento do cordão umbilical foi motivo de discussão por muitos anos. Recentemente, varias publicações  mostraram a relação  benéfica em se aguardar de 2 a 3 minutos ou mesmo o final da pulsação  do cordão  no caso dos partos normais. O clampeamento tardio do cordão aumenta o volume de sangue do recém nascido e desta maneira eleva as reservas de ferro prevenindo a anemia durante a infância.

Três metanálises recentes com vários ensaios clínicos randomizados, além de um estudo nacional,18 concluíram que o clampeamento em tempo oportuno do cordão umbilical é benéfico em comparação ao clampeamento imediato com relação aos índices hematológicos na idade de 3 a 6 meses. (Manual do Ministério da Saúde, 2011)


Aleitamento materno logo após o parto

Quando possível e estando a mãe de acordo, pode-se  adiar os procedimentos de rotina durante a primeira hora de vida, evitando-se a separação entre mãe e bebe de forma a promover o inicio da amamentação. Neste momento é comum o recém nascido se encontrar em estado de alerta com o reflexo de sucção acentuado. O inicio precoce do aleitamento materno resulta em inúmeros benefícios destacando-se o fortalecimento do vinculo materno, o aumento da produção de colostro e a liberação de ocitocina que resulta em aumento da contração uterina  que facilita a eliminação da placenta. Além disso a pratica de amamentação logo apos o nascimento tem sido associada ao aleitamento materno exclusivo por tempo mais prolongado.

Amamentação na sala de parto resulta em benefício imediato e ao longo prazo para a saúde do bebê. (Sociedade de Pediatria de Sao Paulo, 2008)

A Organização Mundial de Saúde recomenda que o aleitamento materno seja iniciado na primeira hora de vida, pois está associado a menor mortalidade neonatal, maior período de amamentação, melhor interação mãe-bebê e menor risco de hemorragia materna.(Manual do Ministério da Saúde, 2011)


Método de Credê e a profilaxia da oftalmia gonocócica


O método de Credê (decreto n. 9713 de 19/04/1977) consiste em pingar uma gota de colírio com solução de nitrato de prata 1% em ambos os olhos do recém nascido até uma hora apos o nascimento. Este colírio tem ação preventiva para os casos onde há a contaminação pela presença da bactéria causadora de gonorréia no canal vaginal da mãe. Não tem qualquer efeito em outros microorganismos relacionados a conjuntivite neonatal. Estudos relatam que menos de 35% dos hospitais do Brasil disponibilizam o colírio de nitrato de prata, oferecendo em seu lugar, de forma equivocada, um colírio a base de vitelinato de prata 10% (Argirol) de ação menos eficaz e inadequado para prevenção da oftalmia gonocócica. A utilização dos colírios de ação cáustica e inflamatória estão associados a conjuntivite química com duração de aproximadamente 48 horas.


Vitamina K e doença hemorrágica neonatal

O objetivo da profilaxia é garantir um estoque adequado  de vitamina K que seja capaz de prevenir a doença hemorrágica  neonatal. Ainda hoje, existem controvérsias acerca da melhor forma de administração profilática da vitamina K, oral ou intramuscular, levando-se em consideração a eficácia, efeitos colaterais, custo e aderência ao tratamento. Tanto a administração IM quanto a oral mostram-se eficazes para prevenir a doença hemorrágica. A  administração intramuscular única  de 1 mg de vitamina K, imediatamente após o nascimento é um esquema bastante utilizado. Entretanto, a dor relacionada a injeção e poucos relatos de complicações  quanto à administraçao intramuscular faz com que alguns pais optem por um método  menos invasivo como a administração  oral que consiste em 2mg em três doses. Apesar da administração oral estar relacionada com resposta inferior nos quadros de hemorragia de aparecimento tardio, quando comparado com a via intramuscular,  ainda é considerada adequada para prevenção  da doença hemorrágica se administrada corretamente.

Vacina da Hepatite B e prevenção da transmissão vertical.

A vacinação do recém nascido contra a hepatite B é preconizada para até 24 horas do nascimento, preferencialmente até 12 horas de vida. Esta política de saúde visa prevenir a transmissão perinatal que pode ocorrer principalmente durante o parto nos casos em que a gestante é portadora do vírus da hepatite B (HBsAg positivo) ou cuja sorologia para hepatite B  é desconhecida. Uma vez que  o risco de transmissão é muito alto e a evolução dos quadros para hepatite crônica é muito freqüente nas crianças infectadas no momento do parto,  a vacinação sistemática é recomendada nas primeiras horas de nascimento (Resolução SS39 de 01/04/05).  A vacina isoladamente é capaz de reduzir  a transmissão vertical em mais de 85% das vezes. No caso de gestantes sabidamente portadoras do VHB o hospital deve ser avisado para providenciar também a imunoglobilina especifica que aumenta ainda mais a proteção do recém nascido.

Todo casal tem o direito de receber as informações sobre cada procedimento realizado, bem como solicitar que o procedimento seja realizado na presença da mãe ou acompanhante por ela determinado. Isto inclui pesagem, avaliação clinica e administração de medicações. Após  finalizados os procedimentos de identificação  e cuidados do recém  nascido, a mãe juntamente com o seu  RN, deve ser encaminhada pro quarto em sistema de alojamento conjunto onde eles possam ficar juntos todo o tempo até a alta hospitalar. A própria mãe deve prestar os primeiros cuidados ao filho, e deve dispor da ajuda de profissionais de enfermagem ou de acompanhantes quando julgar necessário. Por lei federal, todas as maternidades devem oferecer esta modalidade de assistência que tem como maior vantagem facilitar o aleitamento materno em esquema de livre demanda. 

Maria Otilia Bianchi - Pediatra e Neonatologista